terça-feira, 23 de janeiro de 2018

Nas Páginas: Stoner - John Williams

Stoner fala de uma vida aparentemente monótona, maçante, que consiste de uma porção de dias quase exatamente iguais. No entanto, depois de lermos algumas páginas e nos colocarmos no lugar de nosso protagonista, percebemos que a vida do outro, mesmo que ela nos pareça sem graça, pode ser interessante, quando a enxergamos como se fosse a nossa própria vida. Nesse sentido, no de conduzir nossos olhos sobre a vida de William Stoner, como se ele pudesse ser qualquer um de nós, é que John Williams demonstra seu talento e faz uma espécie de mágica acontecer.

No posfácio do livro, escrito por Peter Cameron, há uma colocação bastante acertada sobre romances em geral e que acaba por nos ajudar a entender a mágica que há em Stoner. Nela, Cameron fala que é possível escrever livros ruins e obsoletos sobre pessoas fascinantes que tiveram uma vida cheia de acontecimentos extraordinários, e que, ao mesmo tempo, vidas silenciosas, simples e aparentemente sem graça, podem render excelentes romances, desde que sejam examinadas com paixão, delicadeza e cuidado. E Stoner é assim. Uma história sobre uma existência parca de dramas e grandes reviravoltas, mas que foi contada de maneira primorosa.

William Stoner é filho de agricultores e, por vontade do pai, ingressa na faculdade. Quase por acaso,  enquanto cursava Ciências Agrárias, descobre sua paixão pela literatura. Essa descoberta atribui novo significado a sua vida e o conduz pelo caminho que ele seguiria até o fim de sua vida: a docência. Stoner torna-se professor universitário, casa-se, faz alguns (poucos) amigos. No entanto, continua solitário. Ele se envolve em conflitos na universidade, tem uma vida conjugal difícil e a vida parece ter prazer em arrancar tudo o que lhe traz um pouco de felicidade. Vemos um personagem cabisbaixo, quieto, dono de uma passividade assustadora que, apesar disso, conserva, mesmo que escondida, uma poderosa força de vontade. Stoner nos revela sua visão peculiar do mundo, do cotidiano, dos problemas, e essa visão é peculiar, complexa e nos mostra um valor do cotidiano que muitas vezes nos escapa.

Alguns pontos do livro se destacam, como o casamento de Stoner e Edith. Ela é uma mulher estranha desde sua primeira aparição na vida de Stoner e essa estranheza só se intensifica ao longo da história. Ela se transforma no maior flagelo da vida de Stoner que tem que lidar com sua personalidade doentia. É ela quem o condena a um casamento sem amor, sem proximidade e o submete à sua amargura, imaturidade e egoísmo. Vemos Edith fazendo o possível para privar o marido de suas pequenas felicidades, como o convívio com a filha e até mesmo seu escritório em casa. Surpreendeu-me que Edith não tenha impedido Stoner de manter seu caso extraconjugal, que, possivelmente, seria uma situação em que ela teria alguma razão pra se opor à felicidade do marido.

Outro ponto interessante é a relação de Stoner com sua profissão e os conflitos que surgem em seu trabalho. É na universidade, quando assume o papel de professor assistente, que Stoner parece tomar algum controle sobre sua própria vida. Lá, ele se distancia de Edith e das mazelas de seu casamento. Por isso, pode-se dizer que na universidade ele alcança um pouco de satisfação e plenitude. Mas isso muda, como já era de se esperar, um desentendimento com um membro do departamento de inglês acarreta inúmeros problemas para Stoner, torturando-o durante anos e prejudicando sensivelmente seu trabalho. Mais uma vez, Stoner tem algo bom arrancado de sua vida.

Por último, gostaria de destacar a relação de Stoner com sua amante, Katherine Driscoll. Eles se apaixonam, ficam juntos e desse relacionamento surgem possivelmente os momentos mais felizes da vida de Stoner. Katherine injeta nova energia em Stoner e faz com que ele volte a acreditar no amor, no sexo e faz com que ele experimente tudo o que seu casamento não lhe proporcionou. Essa relação torna-se um refúgio para onde Stoner foge para se distanciar de sua vida simplória. Como todas as outras alegrias de nosso protagonista, o relacionamento não dura e esse parece ser o golpe que decide definitivamente o triste destino de Stoner. 

Talvez, ao terminarmos o livro, tenhamos a sensação de que William Stoner teve uma vida vazia, de que ele teve uma existência sem sentido e miserável. E, talvez, isso seja verdade. No entanto, a forma como John Williams nos faz conhecer a história de Stoner, colocando-nos ao lado de Stoner, dentro de seus pensamentos, revela a força, a persistência que é necessária para ser pequeno, para ser simples e continuar buscando algum sentido para sua própria vida, mesmo soterrado pela infelicidade. Por isso, a força de Stoner permanecerá em todos que emprestarem um pouco de tempo à essa história.



Título: Stoner
Título Original: Stoner
Autor: John Williams
Tradução: Marcos Maffei
Tradução do Posfácio: Gianluca Giurlando
Editora: Rádio Londres
Páginas: 320
Ano: 2015
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2 comentários:

  1. Resenha maravilhosa de uma reflexão singela e sensível, aumentou ainda mais o meu desejo de ler o livro. <3

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    1. Muito obrigado! ^^ Leia que já quero comentar algumas coisinhas com vc sobre o livro.

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